12 de outubro, 2021

Adoção Intuito Persona e a Prevalência aos Vínculos Afetivos

A adoção é o ato de inserir uma criança em um lar, quando esta não o tem. Já a adoção Intuitu Personae é aquela que se dá quando a criança já possui um vínculo afetivo com alguém, que pretende regularizar essa situação, adotando-a sem passar pela fila do Cadastro Nacional de Adoção.

Antes de qualquer adoção, o interessado deve fazer um cadastro no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), instituído no Brasil em 29/04/2008, com a finalidade de auxiliar a gestão das varas de infância e juventude do país na condução dos processos de adoção. Trata-se de um cadastro consistente num banco de dados de todos os adotantes e de todas as crianças e adolescentes aptos à adoção. A finalidade maior foi a de unificar os dados em todo território, facilitando a busca por informações das partes cadastradas. 

Em que pese seja de conhecimento público a demora no processo de adoção, conforme informação obtida no site do Senado Federal, para cada  criança apta à adoção existem seis pessoas interessadas. A diferença de perfis é que atrapalha na finalização do processo. Isso resulta no acúmulo de crianças e adolescentes vivendo em acolhimentos institucionais, o que hoje representam o número de 47 mil, conforme o Senado Federal. Embora a questão racial seja considerada pelos adotantes (cerca de 32,36% só aceitam crianças brancas), o que realmente dificulta o processo é a idade das crianças. Apenas um em cada quatro aceitam adotar crianças com quatro anos ou mais de idade. Ocorre que a maioria esmagadora das crianças e adolescentes acolhidos hoje contam com mais de quatro anos.

 O fato é que enquanto parte dos juristas defende a importância do Cadastro e a necessidade de inscrição nele para deferimento de guarda provisória a crianças menores de três anos, alguns, de forma mais objetiva, defendem que o que deve prevalecer e ser considerado na adoção é o amor e o desejo de constituir uma família.

 A adoção Intuitu Personae vem nesse sentido, pois ocorre quando realizada fora do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), onde a criança ou adolescente é entregue a uma pessoa determinada. É uma modalidade de adoção dirigida, na qual é levado em consideração especialmente a afetividade existente na relação. Também conhecida como adoção direta ou pronta. Em muitos casos, o vínculo afetivo da criança com a futura família adotante começa ainda no ventre da mãe biológica, visto que é comum que aquela seja do convívio desta.

Defendida por alguns mas criticada pela grande maioria dos doutrinadores e juristas, a adoção intuitu personae é muito controvertida. O maior ponto de divergência do instituto não é com relação aos requisitos legais, pois estes são todos observados no momento da regularização da adoção. O aspecto que gera controvérsia e repulsa por alguns segmentos, no entanto, é a não observância do prévio cadastro e fila no Cadastro Nacional de Adoção.

Nessa modalidade de adoção, os pais ou na maioria esmagadora das vezes, a mãe, deixa de entregar o filho para o Estado decidir o seu futuro e passa a escolher uma determinada pessoa ou família que possa desempenhar o papel que a ela caberia de cuidar, educar e especialmente amar aquela criança.

A Lei 12.010/90 veio a regulamentar o art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, nos parágrafos de 1º a 14º, regulamentando as situações de Cadastro dos adotáveis e dos candidatos a adoção. Até a sua entrada em vigor, não havia qualquer tipo de vedação à adoção dirigida. Após a sua vigência, passou-se a reduzir ao máximo a possibilidade de realização, restando apenas três situações em que é válida a referida adoção, as quais vêm elencadas no parágrafo 13 do referido artigo 50.

O principal argumento utilizado por aqueles que são contrários à adoção intuitu personae, inclusive o próprio legislador, está na intenção de coibir o comércio de crianças, assim como impedir as intenções escusas para a adoção, visto que é sabido que muitas mães de poucas condições financeiras são diversas vezes assediadas por casais que esperam desesperadamente por uma criança nas filas da adoção. Ocorre que, ao ignorar a escolha da mãe no processo da adoção, acaba sendo deixado de lado o principal princípio da adoção: a afetividade. Maria Berenice Dias chega a referir a lei como “Lei Anti Adoção, visto que defende que o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente não são levados em consideração.

Muito embora o instituto da adoção Intuito Personae não possa ser analisado sob a ótica legal, mas sim especificamente sob o aspecto da afetividade, importa destacar que sim, existe possibilidade prevista pela legislação vigente. Além de não ser taxativamente proibida por lei, o art. 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente confere à gestante o direito de entregar seu filho para adoção, sem qualquer constrangimento e com a garantia de que seu direito será respeitado.

Mesmo que de forma velada ou implícita, sabe-se que existe uma repressão da sociedade e do Estado para o ato de entregar o filho para adoção. Entretanto, o art. 116 do ECA, ainda em vigor, dispõe que se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos do poder familiar ou tiverem aderido ao pedido de colocação em família substituta, o pedido pode ser formulado diretamente no cartório da Vara da infância e Juventude, em petição assinada pelo requerente, dispensado até mesmo o acompanhamento de advogado. Em seu parágrafo primeiro, ainda dispõe que havendo a concordância de ambos os genitores, estes serão ouvidos perante a autoridade judiciária e pelo Ministério Público. Em que pese o STJ já tenha sedimentado entendimento de que o cadastro no CNA não é absoluta, devendo prevalecer sempre os laços de afetividade e o vínculo formado entre a criança/adolescente e o adotante, muitos juízes de primeiro grau e até membros do Ministério Público ainda ignoram a aplicabilidade do dispositivo citado anteriormente, entendendo que o cadastro prévio no Cadastro Nacional de Adoção deve ser observado indiscriminadamente.   

O fato inquestionável é que a única forma de não ser atendido o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é retirando esse indivíduo do seio de uma família substituta, com todos os elementos necessários para inseri-la a um novo lar, preferindo-se despejá-la num acolhimento, jogada à própria sorte.

Para que seja observada a Doutrina da Proteção Integral e o Melhor Interesse da criança, as opções como o acolhimento devem ser sempre a última ratio, visto que o trauma do abandono da mãe biológica, em situações de acolhimento pode ser ainda mais danoso. O Estado não pode ter a intenção de dirigir o destino de um ser humano, tornando-o como um simples objeto exposto numa vitrine.

Desse modo, em que pese ainda exista alguma resistência por parte dos Juízes de primeiro grau, sabemos que em graus superiores o princípio do melhor interesse ainda é primazia nas decisões que envolvem o tema, pelo que há uma mobilização nos tribunais pela manutenção, sempre que for possível e sempre que não identificados elementos fáticos contrários, da criança no seio familiar em que se encontra em detrimento da colocação em abrigo, fazendo sim, desta forma, o cumprimento efetivo de todos os preceitos trazidos pela Constituição Federal e pelo ECA. Somente assim é que estará sendo observado e cumprido o tão aclamado princípio do Melhor Interesse da Criança.

Por derradeiro, é possível concluir que o instituto da adoção intuitupersonae faz parte do nosso cotidiano, de modo que é impossível ignorá-lo ou rechaçá-lo, sem levar em consideração a situação de fato que existe e principalmente o interesse da criança envolvida.

Por melhor que seja a intenção dos contrários ao instituto, inclusive o legislador, destaca-se que existem falhas a serem sanadas na legislação pertinente, pois não se pode simplesmente ignorar os casos em que primeiro ocorre a aproximação e o vínculo para tão somente depois se buscar a regularização. Sabemos que diante de tanta falta de políticas públicas no sentido de acolhimento das mães em situação de vulnerabilidade, bem como na inibição da natalidade inconsequente, é inevitável que seja cada vez mais comum crianças serem criadas de forma irregular por parentes, vizinhos, amigos e demais pessoas a quem a mãe, num ato de desespero, possa delegar os cuidados. Até mesmo porque o ato de dar a criança para adoção é garantido pelo atual ordenamento jurídico.

O fato é que independentemente da situação, a criança sempre vai estar melhor num lar que a queira bem e que a ame como filha, do que depositada num acolhimento, aguardando trâmites legais e burocráticos para ser inserida novamente numa família que possa atender às suas necessidades materiais e afetivas. Não se pode deixar de observar o principal e precípuo fundamento da adoção: o amor. Enquanto o amor estiver presente na relação adotante e adotado, somente nesse caso o princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente estará sendo observado e cumprido.  

POR JULIANA DE LIMA BORGES GASPARINI / ADVOGADA

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